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domingo, 15 de maio de 2011

O contraditório no processo de execução

O contraditório no processo de execução


Afirmar, na atual conjuntura jurídica, que não existe contraditório no processo de execução é, no mínimo, uma atitude de desrespeito a Constituição Federal. Amplamente difundidos pela Carta Magna de 1988, os princípios da ampla defesa e do contraditório (enunciados no art. 5, inciso LV) fazem cair, por terra, qualquer argumento que possa existir sobre a falta de contraditório na execução. Pode-se ir até mais fundo, acredita-se que não existe processo executório válido se não forem concedidas essas garantias às partes.
No regime constitucional de 1969 (art. 53, § 16) somente era garantido o contraditório no processo penal, entretanto, a doutrina também estendia esse direito ao processo civil e administrativo. Todavia, com a Constituição de 1988, essa garantia passou a ser a qualquer tipo de processo, tanto o judicial como o administrativo.
Tornou-se antiquado visualizar o contraditório apenas como uma simples discussão da lide entre seus partícipes, como habitualmente se faz no processo de conhecimento. Hoje, o contraditório é equacionado na fórmula informação + participação. Essa equação é correlata com a definição do insigne J. Canuto Mendes de Almeida que afirma que o contraditório é "a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los". De fato, o contraditório, além de ser um princípio, é um direito que a parte tem de ser informada sobre os atos processuais e de se manifestar, no momento oportuno e da forma que lhe convier, sobre o que discorda na lide, desde que respeite os procedimentos existentes.
Os antigos juristas afirmavam que o procedimento executório não admitia o contraditório porque não eram admitidas alegações, das partes, sobre à origem do título, pois não se busca uma sentença de mérito. É nesta questão que paira a confusão. O que se objetiva no processo de execução não é a discussão sobre a origem ou mérito do título e sim que o crédito, do exeqüente, seja satisfeito.
A defesa no processo de execução poderá ser feita por meio extraprocessual (mediante processo incidental) ou endoprocessual (dentro do processo).
Os embargos do devedor, nada mais são, que uma defesa extraprocessual. Apesar de ser uma ação de conhecimento, instaurada incidentalmente ao processo de execução, os embargos estarão sempre ligado a ele. Têm por escopo uma sentença constitutiva negativa, em outras palavras, desconstituir o título executivo. Como requisito para sua oposição, o devedor tem que depositar o bem ou nomear bens a penhora, na totalidade da dívida, com a finalidade de "segurar", garantir o juízo.
Recentemente surgiu em nossa doutrina e jurisprudência uma tendência com a finalidade de facilitar a defesa do devedor. Tem-se admitido, no próprio processo de execução (defesa endoprocessual), que o devedor apresente objeções processuais. São as famigeradas e polêmicas Exceções de Pré-executividade, também conhecidas como Objeções de Pré-executividade. Essas objeções somente envolvem matéria de ordem pública, ou sejam, vícios relacionados com a admissibilidade da execução e que podem ser decretadas de ofício pelo próprio juiz. Faz-se mister ressaltar que, em hipótese alguma, essa peça deve conter qualquer pedido de produção de provas, pois se estaria contrariando os fundamentos do processo de execução e voltando a estaca do processo cognitivo.
Se até o presente momento não ficou suficientemente claro a incidência do contraditório no processo de execução, traz-se à tona mais dois argumentos. O primeiro, e o mais polêmico devido a divergência doutrinária, trata do art. 9º, II do CPC, que obriga o juiz a conceder um curador especial quando há revelia do devedor citado por edital, para defender os seus interesses. Ao nomear um curador, o juiz, cumpre a exigência imposta pela constituição de garantia ao contraditório. Sabiamente, o STF já possui entendimento nesse sentido (RE 10073/MG).
Como segundo tópico, não se pode esquecer que prevalece na execução o princípio do menor sacrifício do devedor. É ilógico pensar que no processo de execução, que garante ao executado não ser onerado de forma exacerbada, não o permita se defender. Eventualmente, se o executado sentir-se lesado, poderá exigir que sejam tomadas as medidas necessárias. Ao usufruir desse princípio, o executado está exercendo, mais uma vez, o seu direito ao contraditório.
Finalizando, afirma-se que nem tudo são flores no processo de execução e muito tópicos merecem uma revisão pelo legislador. A partir disso, existe uma situação onde não ocorre o contraditório, sendo um flagrante desrespeito à sistemática jurídica que sempre procurou ser equânime. Trata-se da defesa do devedor que não possui bens para penhorar, portanto, não segurará o juízo. Como conseqüência, ver-se-á frustado em utilizar os embargos para opor-se à execução. Esta, por sua vez, ficará suspensa e o devedor será lesado em seu direito de defesa e só o resgatará quando tiver bens que garantam o juízo. Nesse interim, o devedor terá seu nome registrado nos arquivos forenses e a partir disso poderá sofrer danos irreparáveis. Ter uma lide executória e não poder contrariá-la ou comprovar sua improcedência é uma afronta ao direito de ação do devedor. Tem-se outra hipótese: como fica o caso do mesmo devedor que pode comprovar a invalidade do título (um dos pré-requisitos de existência da ação executória) mas que para tal necessite de produção de provas? Ele não poderá se valer da exceção de pré-executividade e nem dos embargos. A execução será suspensa e mais uma vez terá seu direito de defesa cerceado. Por isso, acredita-se que nesses caso, os embargos devam ser acolhidos sem que se tenha garantido o juízo, sob pena de novamente se desrespeitar a Constituição. Felizmente, existem alguns julgados que estão nesse sentido e espera-se que a jurisprudência e a doutrina se dobrem a tal fundamento.

Sobre o autor

O Juizado Especial Cívil e a comunidade

O Juizado Especial Cível e a comunidade




Resumo: O Juizado Especial Cível assumiu uma posição de destaque na prestação jurisdicional, principalmente às camadas mais desamparadas da comunidade onde exerce sua jurisdição, realizando esta função com respeito, seriedade, rapidez e eficiência, de forma gratuita, e agregando benefícios indiretos significativos, como a melhor preparação de futuros profissionais do direito.

Palavras-chave: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

O Juizado Especial Cível –JEC- foi criado pela Lei 9.099/95, atendendo ao disposto no Art. 98, I, da Constituição Federal vigente. Deste ponto já se nota a importância do instituto que, por certo, somente foi incluso na Lei Maior por representar os anseios de uma sociedade em plena evolução política e social e, ao plantar esta semente, viu germinar e florescer um inegável avanço nas relações jurídico-sociais em nossos dias.

Como o título sugere, e seu próprio texto disciplina, os JEC’s foram criados de forma direcionada a atender causas cíveis de menor complexidade e, com isso, inegavelmente cumpre outra função: aproximar e distribuir a justiça às camadas menos favorecidas, que por receio, ignorância, descrédito, ou simplesmente falta de orientação, estavam à margem da atividade jurisdicional do Estado em seus moldes tradicionais.

Competência
Assim, conforme enumera o Art. 3º. da Lei 9.099/95, o JEC tem competência para: a) causas que não excedam 40 salários-mínimos; b) as enumeradas no Art. 275, II, do CPC, que correspondem a: b.1) arrendamento rural e de parceria agrícola; b.2) cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; b.3) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; b.4) ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; b.5) cobrança de seguro, quanto aos danos causados em acidente de veículo, exceto os casos de execução; b.6) cobrança de honorários de profissionais liberais, salvo o disposto em legislação especial; b.7) todos os demais casos previstos em lei; c) ação de despejo para uso próprio; d) ações possessórias sobre bens imóveis até o limite de 40 salários-mínimos.


O leque de opções que se abre ao cidadão demonstra claramente o propósito desta lei, que é atender pequenas lides, quando vistas pela máquina estatal, mas que muitas vezes representam o fruto de uma árdua caminhada, economia de uma vida toda, para aqueles que dela se utilizam.
Estas particularidades transformam o JEC em uma espécie de protetor dos mais humildes, depositário de sua confiança. Mas a realidade é que tudo é conduzido com a imparcialidade que o judiciário exige em qualquer de suas áreas de atuação, seja cível, penal, trabalhista, enfim, qualquer uma.

Princípios
Para que este objetivo fosse alcançado com a profundidade e a eficiência necessária, não bastaria a criação do JEC com competência específica, mas, sim, dota-lo de rapidez e agilidade, mantendo-se a seriedade que o poder judiciário reclama. Nesse sentido, é regido pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, tendo como meta, a conciliação ou a transação.
Estas são ferramentas que o público, em geral leigo, pode não conhecer ou entender, mas cujos efeitos com toda certeza sente, principalmente quando consegue satisfazer suas pretensões, o que não impede que se faça um breve comentário sobre cada princípio.

Princípio da oralidade: visa à simplificação e à celeridade dos processos, sendo aplicado desde a apresentação do pedido inicial até a fase de execução dos julgados. São reduzidos à forma escrita apenas os atos essenciais. Como exemplo, pode-se citar a própria audiência para tentativa de conciliação, na qual se reduzem a termo (forma escrita) apenas as condições estabelecidas para o seu alcance, ou as razões da contestação, quando for o caso.
Princípios da simplicidade e da informalidade: o objetivo maior deve sempre ser a solução do litígio; assim, não importa a forma adotada para a prática do ato processual, desde que este atinja a sua finalidade e não gere qualquer tipo de prejuízo. Como exemplo, é válida a citação postal da pessoa jurídica, pela simples entrega da correspondência ao funcionário da recepção, enquanto pela regra comum do Código do Processo Civil –CPC- esta somente seria válida quando entregue à pessoa com poderes de gerência ou administração(1).
Princípio da economia processual: visa a obtenção do máximo de rendimento da lei com o mínimo de atos processuais e exerce papel relevante ao proporcionar meios para que outros princípios possam realizar seus objetivos, como é o caso do princípio da celeridade. Exemplo é a possibilidade de acumulação de pretensões conexas em um só processo, ou até mesmo a antecipação do julgamento de mérito, quando não houver a necessidade de provas orais em audiência(2).
Princípio da celeridade: é o desafio destes juizados, pois vieram para aproximar a justiça da população e desafogar as varas comuns, no direito civil, apreciando suas pretensões com rapidez, seriedade e, acima de tudo, preservando as garantias constitucionais de segurança jurídica. Como exemplo, cita-se uma audiência, na qual se pode apresentar a defesa, produzir provas, manifestar-se sobre os documentos apresentados, tentar-se a conciliação ou obter a sentença, sempre que as condições assim permitam(3).
Metas de conciliação ou transação(4): são oportunidades oferecidas às partes, para tentarem resolver suas pretensões antes da sentença final, em geral através de concessões mútuas. Na conciliação este "acordo" acontece durante uma audiência realizada exatamente para este fim. Já no caso da transação, pode ocorrer antes mesmo que sejam apreciadas pelo judiciário, ou caso a lide já esteja instalada, até que ocorra o trânsito em julgado da sentença(5); contudo, esta sempre ocorre fora do judiciário e apenas é comunicada a este, para que o processo seja finalizado ou suspenso até o seu cumprimento total.

Exclusões
Na busca desse equilíbrio, o JEC acertadamente não pode conhecer causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, como também as relacionadas a acidentes de trabalho, resíduos e ao estado e capacidade de pessoas, mesmo que de cunho patrimonial.
Este cuidado também surgiu quando se excluíram as pessoas jurídicas e seus cessionários do pólo ativo das ações e se vedou qualquer participação, seja no pólo ativo ou passivo, ao incapaz, ao preso, às pessoas jurídicas de direito público, às empresas públicas da União, à massa falida e ao insolvente civil.
Desta forma, criou-se um ambiente tranqüilo, definido e com segurança jurídica, no qual os membros da comunidade podem pleitear por seus direitos ou pretensões, buscando resolvê-los de forma rápida e simples a um custo baixo para toda a sociedade.

Gratuidade
Aqui surge mais um ponto importante para o sucesso e, sem o qual, certamente o JEC não alcançaria seus objetivos: a gratuidade na prestação jurisdicional.
Não se trata da assistência judiciária gratuita, consagrada pela Constituição Federal em seu Art. 5º, inciso LXXIV, tampouco da disciplinada pela Lei nº. 1.060, de 05.02.1950, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, a que ambas apenas fazem referência, e que somente é concedida desde que o interessado preencha certos requisitos, como o requerimento da gratuidade e a satisfação da noção legal de necessitado(6).
De nada adiantaria dotar o JEC de tantas ferramentas, como as já analisadas, se não houvesse a efetiva oportunidade de a comunidade utilizá-lo, por esbarrar em questões de ordem econômica. Este fator muitas vezes é o único motivador ao cidadão para que apresente a lide, pois realmente depende do recurso pleiteado para manutenção de suas necessidades.
Para evitar-se tal distorção, a atuação do JEC é oferecida de forma totalmente gratuita às partes, ao menos em primeiro grau de jurisdição(7), independentemente de requerimentos ou qualquer tipo de comprovação, salvo, é claro, nos casos de litigância de má-fé.

Benefícios adicionais
Como se todo esse panorama já não justificasse a criação e efetiva implantação dos JEC’s, a comunidade e a sociedade como um todo ainda tiveram diversos ganhos indiretos, mas significativos, podendo-se apontar alguns com muita tranqüilidade.
São exemplos destes ganhos entre tantos outros: a) a não-acumulação dos processos nas varas comuns das comarcas, provocando uma demora ainda maior no andamento de milhares deles; b) crescimento da interação entre a universidade e a comunidade, pois muitos dos conciliadores são recrutados nas universidades, mediante convênios; c) o acesso facilitado ao cidadão, que dispõe de horários mais adequados para ser atendido(8).
É claro que os JEC’s vieram com a missão de dar agilidade e rapidez às causas de menor complexidade, mas também proporcionam uma atividade prática aos universitários, principalmente quando a qualidade dos cursos superiores está sendo tão questionada.
Com isso, quem ganha cada vez mais é a própria comunidade, que é atendida em um primeiro momento com toda a dignidade que merece, sem esquecer-se de que está formando profissionais mais preparados para servir-lhe no dia de amanhã, uma vez que vivenciaram uma nova tendência: a de tentar resolver as questões controvertidas sem bater às portas do poder judiciário com uma ação, mesmo que perante o Juizado Especial Cível(9).

Abordando algumas críticas
É evidente, contudo, que críticas existem, como não poderia ser diferente, a exemplo do que acontece com o Poder Judiciário como um todo. Mas a pergunta que fica é: será que as críticas têm razão de ser? Para a resposta, torna-se necessário abordar algumas delas.
Não é difícil encontrar advogados que critiquem o sistema adotado pelo JEC. Os argumentos vão desde o teórico prejuízo dos direitos da parte, até a controvertida questão do mercado de trabalho dos advogados, que estaria sendo restringido.
Ora, devem eles lembrar que os JEC’s atuam apenas em causas mais simples, como as já mencionadas, sendo facultada a representação apenas quando o valor destas não for superior a 20 salários mínimos. Além disso, a competência do juizado alcança apenas direitos disponíveis, o que não retira a seriedade dos conciliadores e juízes(10) ao orientarem as partes, inclusive para que reflitam se a proposta recebida satisfaz ou não a sua pretensão.
De maneira geral, tais advogados devem repensar suas posições, pois não se pode imaginar que dependam integralmente dessas pequenas causas que em sua maioria nem ao menos chegariam às portas da justiça, mesmo que pelas mãos da assistência judiciária gratuita, se não fosse a atuação diferenciada oferecida pelos JEC’s, quanto mais em seus escritórios.
Ainda, talvez, não tenham a informação de que os funcionários e estagiários do JEC instruem os cidadãos a procurarem um advogado de sua confiança ou mesmo a assistência judiciária gratuita, nas causas que estão fora da competência do juizado, fato, aliás, muito comum.
Outro ponto atacado é o de pessoas que utilizam o JEC reiteradamente, como os comerciantes individuais ou os de fato(11), e os profissionais liberais, relativamente aos clientes inadimplentes. Alegam esses críticos que tais ações não deveriam ser aceitas no âmbito do JEC, pois seus titulares teriam condições de constituir um advogado para atuar no rito comum.
Essa situação é real, mas lembra-se de que somente ocorre por constituir um ato lícito, pois em momento algum a lei vedou esta possibilidade; pelo contrário, no caso dos profissionais liberais a autorização é expressa(12). Dessa forma, estes cidadãos apenas estão exercendo um direito que lhes é assegurado, não cabendo fazer especulações.
Todavia, o que poderia ser realmente questionado nesta questão é o fundo moral da apresentação reiterada de ações por cidadãos nestas condições, em virtude dos propósitos que motivaram a criação e atuação dos JEC’s. Mas esta é uma questão que merece uma abordagem mais profunda e específica e não cabe ser feita neste trabalho, dada a proposta e alcance conferidos ao mesmo.
Críticas à parte, o que realmente deve estar no centro das discussões é o aprimoramento constante de qualquer órgão ou serviço, pois seria injusto cobrar uma atuação absolutamente perfeita em todos os sentidos de um instituto que ainda engatinha, com firmeza é verdade, mas que está em pleno processo de amadurecimento.
Neste sentido, o que dizer então do direito como um todo, visto que sua origem remonta aos tempos de Roma? E lá se foram alguns séculos desde então, sem que se tenha chegado a um consenso sobre o que realmente está certo ou não. E isto se deve ao fato não da incompetência pura e simples dos homens, mas, sim, da constante mutação dos valores que regem as sociedades onde vivem, que são fatores motivadores das normas que regulam esta convivência nem sempre pacífica.
Por essa ótica, o que dizer de um instituto que ainda não completou cinco anos e que, apesar disso, está procurando acertar e melhorar cada vez mais?
As soluções não nascem prontas; são, na verdade, fruto de uma evolução constante das experiências acumuladas por toda a existência da humanidade. E mais: não é justo que se critique um instituto simplesmente por este prestar relevantes serviços à comunidade que clamou por sua criação através da forma mais pura de democracia em nossos tempos(13): a Constituição.
As críticas de fato devem existir, mas de modo a serem construtivas, não apenas demonstrando erros ou defeitos, mas, sim, oferecendo soluções, apontando caminhos para melhorar cada vez mais este ou qualquer outro agente de aplicação do direito e distribuição da justiça, pois esse é o verdadeiro papel do JEC. Sempre que assim o forem, certamente não faltarão vozes a eleva-las e ações as colocarem em prática.
Se a atuação do JEC em seus moldes atuais não representa o anseio da sociedade, que se mude seu curso, mas de forma consciente para atender ao bem comum e não ao interesse de alguns. Um exemplo pode ser a previsão de advogados em regime de plantão para atuação nas audiências, caso necessário, como já ocorre nos Juizados Especiais Criminais, ou a restrição ao número de ações para cada cidadão através do JEC, em um determinado espaço de tempo. De qualquer forma, real é a necessidade de melhor aparelhar os JEC’s, dotando-os de maior e melhor infra-estrutura, tanto material como humana, pois, sem isso, será muito difícil que qualquer proposta apresente os resultados almejados.

JEC: modelo para aplicação em outros ramos do direito
Mas nem tudo são críticas, pois, se assim fosse, o sistema do JEC não teria alavancado a instituição formal das Comissões de Conciliação Prévia (Lei nº 9.958/2000), com reflexos no âmbito da Justiça do Trabalho; tampouco estaria em fase final a implantação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.
Na esfera trabalhista o objetivo é reduzir as ações que chegam às Juntas de Conciliação e Julgamento, com a atuação das comissões que possuem formação paritária, vale dizer, não há participação do governo por qualquer de seus ramos.
Na justiça federal a novidade veio para atender, em um primeiro momento, aos segurados da Previdência Social, que vão contar com um juizado especial para o julgamento de matérias previdenciárias, mas somente depois de apreciadas e indeferidas pelo INSS administrativamente.
Evidente que a aplicação não é mesma, mas o que se está levando para as outras modalidades é o conceito, a idéia que encontrou espaço para desenvolver-se e ramificar seus efeitos positivos, o que é um grande primeiro passo, sem dúvida.
Informações como essas certamente elevam o conceito do JEC ao seu lugar de direito, como agente propagador de uma justiça rápida, eficiente, acessível e, sobretudo, segura.
Esse sucesso pode ser aferido em números, como os verificados na Comarca de Fernandópolis-SP, conforme segue:
Conclusão
Fica nítida a importância da atuação dos JEC’s, pois como estaria o andamento dos processos originados por causas simples como aquelas em que atua, se submetidos ao trâmite do rito ordinário comum, acumulando-se com tantos outros processos, inclusive nos tribunais?
O prejuízo seria enorme, considerando que todos os processos cíveis, indistintamente da complexidade que envolvam, ficariam sujeitos a pauta única, desde o agendamento para a primeira audiência, até a publicação da sentença final, mesmo em grau de recurso, sem esquecer da frustração gerada aos jurisdicionados.
Diante de fatos concretos tão expressivos, a conclusão somente poderia ser pelo evidente acerto do legislador ao atender a vontade dos cidadãos, dando vida ao dispositivo constitucional que prevê a criação dos juizados especiais em todo o país.
A todos nós, operadores ou não do direito, cabe a tarefa de levá-lo adiante, seja prestigiando esse instituto, seja apontando suas falhas e indicando melhores caminhos para que a sua jornada rumo ao aperfeiçoamento nunca encontre barreira grande o bastante para sujeitá-lo ao abandono ou descaso, tão facilmente encontrados em assuntos correlatos e que tanto provocam indignações sem atitudes que as acompanhem.

Notas
1. O exemplo é de Ricardo Cunha Chimenti, em Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, p. 9. 1999.
2. Os exemplos são de Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito Processual Civil. 26. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, Vol. I, p. 31-32. 1999.
3. Com apoio em Ricardo Cunha Chimenti, obra citada, p. 12.
4. Pela transação "...as partes previnem ou extinguem relações jurídicas duvidosas ou litigiosas, por meio de concessões recíprocas, ou ainda em troca de determinadas vantagens pecuniárias." como ensina Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Parte Geral das Obrigações. 26. ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, Vol. 2, p. 233. 1998.
5. Em linhas gerais, é o término do prazo para que se possa apresentar qualquer tipo de recurso, após o qual a sentença se torna definitiva.
6. "...todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.", cf. Art.2º, § único, da Lei 1060/50.
7. No sistema do JEC é possível ingressar com recurso dirigido ao próprio juizado, salvo nos casos de conciliação ou arbitragem, nos termos do Art. 41, da Lei 9.099/95.
8. Os atos processuais podem ser realizados em horário noturno, cf. autoriza o Art.12 da Lei 9.099/95.
9. É a característica que marca o chamado "Direito Holístico", na visão de Sérgio Neeser Nogueira, em Art. publicado na revista Consulex, Ano IV, Vol. I, nº 41, p. 23-27. 2000.
10. "O juiz alertará as partes da conveniência do patrocínio por advogado, quando a causa o recomendar." cf. Art. 9º, § 2º, Lei 9.099/95.
11. Aqueles que, apesar de praticarem atos de comércio, não possuem qualquer registro nos órgãos pertinentes.
12. "...ressalvado o disposto em legislação especial;" cf. prevê o Art. 275, II, "f", do CPC, que integra o Art. 3º da Lei 9.099/95.
13. A democracia em seu estado realmente puro pressupõe a participação direta dos cidadãos, realidade utópica em dias atuais, assim, deu lugar à forma viável: a representação indireta, mas por representantes eleitos de forma direta pelos representados.

Referências
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.
CARVALHO, Roldão Oliveira de; CARVALHO NETO, Algomiro. Comentários à Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Leme-SP: LED - Editora de Direito, 1997.
CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis. 2. ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 1999.
REIS, Sérgio Neeser Nogueira. Direito Holístico. Revista Jurídica Consulex, Brasília-DF, Vol. I, ano IV, nº 41, p. 23-27, maio-2000.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Parte Geral das Obrigações. 26. ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, Vol. 2, 1988.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. revista e atualizada nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional nº. 20, de 15.12.1998). São Paulo: Malheiros, 1999.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito Processual Civil. 26. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, Vol. I, 1999.







sexta-feira, 13 de maio de 2011

Planejamento trabalhista para a Copa de 2014

Planejamento trabalhista para a Copa de 2014

10 de maio de 2011

http://ultimainstancia.uol.com.br/justica-do-trabalho/planejamento-trabalhista-para-a-copa-de-2014/



Antonio Carlos Aguiar e Carlos Eduardo Dantas Costa*



O ministro do Esporte, Orlando Silva, afirmou no dia 6 de maio afirmou que a organização da Copa do Mundo de 2014 deve gerar cerca de 700 mil empregos em todo Brasil. Segundo o estudo de impacto econômico no qual se baseou o ministro, os setores mais beneficiados serão os de construção civil, devido às obras de infraestrutura em aeroportos, portos e transporte urbano e o de turismo. Sobretudo nas 12 cidades-sede do Mundial.

Essa notícia traz à tona diversas perguntas:

Quais são as alternativas facultadas pela legislação trabalhista frente a esses desafios?

Será mesmo verdade que a famigerada afirmação de que a CLT é uma norma atrasada e engessada, sob o ponto de vista empresarial? Ou será que as empresas não têm feito adequadamente a gestão e o planejamento estratégicos das relações de trabalho?

A verdade é que existe, ainda, um sem-número de alternativas ainda pouco exploradas pelo meio empresarial. O Direito e as Relações do Trabalho estão se tornando, nos últimos anos, cada vez mais estratégicos, capazes, em último caso, de assegurar (ou não) a competitividade de uma empresa.

Nesse sentido devem, obrigatoriamente, ser muito bem planejados.

No caso dos novos postos de trabalho que estão sendo criados em decorrência da organização da Copa do Mundo, esse planejamento deve começar, por exemplo, com a decisão de constituir uma nova empresa. Essa empresa será específica para gerir novos negócios e poderá, por exemplo, valer-se exclusivamente de contratos de trabalho por prazo determinado (que apresentam custos de rescisão muito menores do que os contrato com prazo indeterminado), colaborando ainda para reduzir passivos e contingências.

O pagamento de verbas sem natureza jurídica de salário, acordos de PLR (Participação nos Lucros e Resultados), contratos de trabalho part time, jornadas de trabalho flexíveis e a suspensão temporária dos contratos de trabalho (lay off), são só algumas das possibilidades que estão espalhadas (de forma não tão óbvia) ao longo da legislação.

Tudo isso passa por um momento prévio, de mapeamento das oportunidades e vulnerabilidades. Uma verdadeira análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats – respectivamente Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças) das relações de trabalho, que irá nortear todo processo de planejamento.

O assunto não é simples e requer esforço, para que se pense e aja de forma diferente. Entretanto, os resultados podem ser absolutamente recompensadores, tanto sob o ponto de vista de gestão, quanto no plano econômico.

Então, como o tempo voa e é hora de aproveitar o momento: mãos à obra!

* Antonio Carlos Aguiar é advogado, sócio do escritório Peixoto e Cury Advogado, professor do Centro Universitário Fundação Santo André e autor do livro “Negociação Coletiva de Trabalho”

*Carlos Eduardo Dantas Costa é advogado da área trabalhista do escritório Peixoto e Cury Advogados

quarta-feira, 11 de maio de 2011

PLANEJAMENTO TRABALHISTA PARA A COPA DE 2014

PLANEJAMENTO TRABALHISTA PARA A COPA DE 2014

10 de maio de 2011

http://ultimainstancia.uol.com.br/justica-do-trabalho/planejamento-trabalhista-para-a-copa-de-2014/



Antonio Carlos Aguiar e Carlos Eduardo Dantas Costa*



O ministro do Esporte, Orlando Silva, afirmou no dia 6 de maio afirmou que a organização da Copa do Mundo de 2014 deve gerar cerca de 700 mil empregos em todo Brasil. Segundo o estudo de impacto econômico no qual se baseou o ministro, os setores mais beneficiados serão os de construção civil, devido às obras de infraestrutura em aeroportos, portos e transporte urbano e o de turismo. Sobretudo nas 12 cidades-sede do Mundial.

Essa notícia traz à tona diversas perguntas:

Quais são as alternativas facultadas pela legislação trabalhista frente a esses desafios?

Será mesmo verdade que a famigerada afirmação de que a CLT é uma norma atrasada e engessada, sob o ponto de vista empresarial? Ou será que as empresas não têm feito adequadamente a gestão e o planejamento estratégicos das relações de trabalho?

A verdade é que existe, ainda, um sem-número de alternativas ainda pouco exploradas pelo meio empresarial. O Direito e as Relações do Trabalho estão se tornando, nos últimos anos, cada vez mais estratégicos, capazes, em último caso, de assegurar (ou não) a competitividade de uma empresa.

Nesse sentido devem, obrigatoriamente, ser muito bem planejados.

No caso dos novos postos de trabalho que estão sendo criados em decorrência da organização da Copa do Mundo, esse planejamento deve começar, por exemplo, com a decisão de constituir uma nova empresa. Essa empresa será específica para gerir novos negócios e poderá, por exemplo, valer-se exclusivamente de contratos de trabalho por prazo determinado (que apresentam custos de rescisão muito menores do que os contrato com prazo indeterminado), colaborando ainda para reduzir passivos e contingências.

O pagamento de verbas sem natureza jurídica de salário, acordos de PLR (Participação nos Lucros e Resultados), contratos de trabalho part time, jornadas de trabalho flexíveis e a suspensão temporária dos contratos de trabalho (lay off), são só algumas das possibilidades que estão espalhadas (de forma não tão óbvia) ao longo da legislação.

Tudo isso passa por um momento prévio, de mapeamento das oportunidades e vulnerabilidades. Uma verdadeira análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats – respectivamente Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças) das relações de trabalho, que irá nortear todo processo de planejamento.

O assunto não é simples e requer esforço, para que se pense e aja de forma diferente. Entretanto, os resultados podem ser absolutamente recompensadores, tanto sob o ponto de vista de gestão, quanto no plano econômico.

Então, como o tempo voa e é hora de aproveitar o momento: mãos à obra!

* Antonio Carlos Aguiar é advogado, sócio do escritório Peixoto e Cury Advogado, professor do Centro Universitário Fundação Santo André e autor do livro “Negociação Coletiva de Trabalho”

*Carlos Eduardo Dantas Costa é advogado da área trabalhista do escritório Peixoto e Cury Advogados



terça-feira, 10 de maio de 2011

O PASTOR HEREGE

O PASTOR HEREGE



REVISTA CARTA CAPITAL – Ano XVI nº 643 – 27 abr 2011, p. 70 e 71.

(Nota do Blog: Aquele que busca ultrapassar os limites do fundamentalismo evangélico tupiniquim recebe tal rótulo, infelizmente. Ante ficar com a maioria, prefiro buscar a dignidade da pessoa humana – Jair Donadon).


Integra da matéria:


“Deus nos livre de um Brasil evangélico”, diz o religioso Ricardo Gondim, crítico dos movimentos neopentecostais.

Por Gerson Freitas Jr. Foto: Olga Vlahou

“Deus nos livre de um Brasil evangélico.” Quem afirma é um pastor, o cearense Ricardo Gondim. Segundo ele, o movimento neopentecostal se expande com um projeto de poder e imposição de valores, mas em seu crescimento estão as raízes da própria decadência. Os evangélicos, diz Gondim, absorvem cada vez mais elementos do perfil religioso típico dos brasileiros, embora tendam a recrudescer em questões como o aborto e os direitos homossexuais. Aos 57 anos, pastor há 34, Gondim é líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista. E tornou-se um dos mais populares críticos do mainstream evangélico, o que o transformou em alvo. “Sou o herege da vez”, diz na entrevista a seguir.

CartaCapital: Os evangélicos tiveram papel importante nas últimas eleições. O Brasil está se tornando um país mais influenciável pelo discurso desse movimento?

Ricardo Gondim: Sim, mesmo porque, é notório o crescimento do número de evangélicos. Mas é importante fazer uma ponderação qualitativa. Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico também se deixa influenciar. O rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos se dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro.

CC: Como o senhor define esse perfil?

RG: Extremamente eclético e ecumênico. Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um “evangelicalismo popular”, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás. O movimento cresce, mas perde força. E por isso tem de eleger alguns temas que lhe assegurem uma identidade. Nos Estados Unidos, a igreja se apega a três assuntos: aborto, homossexualidade e a influência islâmica no mundo. No Brasil, não é diferente. Existe um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras. Há aberrações éticas enormes.

CC: O senhor escreveu um artigo intitulado “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”. Por que um pastor evangélico afirma isso?

RG: Porque esse projeto impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico, o que não é de nenhum modo desejável. Seria a talebanização do Brasil. Precisamos da diversidade cultural e religiosa. O movimento evangélico se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. Isso fica muito claro no projeto da Igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, é o de facilitar a expansão da igreja. E, nesse sentido, o movimento é maquiavélico. Se é para salvar o Brasil da perdição, os fins justificam os meios.

CC: O movimento americano é a grande inspiração para os evangélicos no Brasil?

RG: O movimento brasileiro é filho direto do fundamentalismo norte-americano. Os Estados Unidos exportam seu american way oflife de várias maneiras, e a igreja evangélica é uma das principais. As lideranças daqui leem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental. A igreja americana é pragmática, gerencial, o que é muito próprio daquela cultura. Funciona como uma agência prestadora de serviços religiosos, de cura, libertação, prosperidade financeira. Em um país como o Brasil, onde quase todos nascem católicos, a igreja evangélica precisa ser extremamente ágil, pragmática e oferecer resultados para se impor. É uma lógica individualista e antiética. Um ensino muito comum nas igrejas é a de que Deus abre portas de emprego para os fiéis. Eu ensino minha comunidade a se desvincular dessa linguagem. Nós nos revoltamos quando ouvimos que algum político abriu uma porta para o apadrinhado. Por que seria diferente com Deus?

CC: O senhor afirma que a igreja evangélica brasileira está em decadência, mas o movimento continua a crescer.

RG: Uma igreja que, para se sustentar, precisa de campanhas cada vez mais mirabolantes, um discurso cada vez mais histriônico e promessas cada vez mais absurdas está em decadência. Se para ter a sua adesão eu preciso apelar a valores cada vez mais primitivos e sensoriais e produzir o medo do mundo mágico, transcendental, então a minha mensagem está fragilizada.

CC: Pode-se dizer o mesmo do movimento norte-americano?

RG: Muitos dizem que sim, apesar dos números. Há um entusiasmo crescente dos mesmos, mas uma rejeição cada vez maior dos que estão de fora. Hoje, nos Estados Unidos, uma pessoa que não tenha sido criada no meio e que tenha um mínimo de senso crítico nunca vai se aproximar dessa igreja, associada ao Bush, à intolerância em todos os sentidos, ao Tea Party, à guerra.

CC: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?

RG: Sou a favor. O Brasil é um país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossensuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade.

CC: O senhor enfrenta muita oposição de seus pares?

RG: Muita! Fui eleito o herege da vez. Entre outras coisas, porque advogo a tese de que a teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida.

CC: Mas os movimentos cristãos foram sempre na direção oposta.

RG: Não necessariamente. Para alguns autores, a decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente.



Este é o artigo que originou a matéria da Revista Carta Capital


Deus nos livre de um Brasil evangélico
Ricardo Gondim
Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?


Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.


Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.


Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?


Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.


Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.


Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.


Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.


Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista. 


O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.


Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.


Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim



SOBRE O AUTOR:

RICARDO GONDIM É MESTRE EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO PELA UNIVERSIDADE METODISTA, BACHAREL EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS. FOI PRELETOR EM DIVERSAS CONFERENCIAS INTERNACIONAIS. É O PASTOR PRESIDENTE DA IGREJA BETESDA, ONDE MANTEM VÁRIOS PROJETOS DE INCLUSÃO SOCIAL. ESCRITOR. MARATONISTA. PAI DE 3 FILHOS. UM LIDER.

EM RÁPIDAS PALAVRAS, É UM HOMEM COMPROMETIDO COM OS VALORES DO REINO DE DEUS E COM A BUSCA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.